Por Gabriel Pinheiro

Mesa “Literatura, trauma e testemunho” reuniu Camila Fabbri, Paulo Scott, Taiane Santi Martins e Simone Paulino no Teatro da FCDDA

A convidada internacional Camila Fabbri, escritora argentina, se reuniu com Paulo Scott, Taiane Santi Martins e a mediadora Simone Paulino na mesa “Literatura, trauma e testemunho” na tarde desta sexta-feira, 31 de outubro, no 5.º Festival Literário Internacional de Itabira – Flitabira. A conversa olhou tanto para a literatura dos convidados quanto para o horror de um real experienciado hoje no Brasil e na Argentina.

Simone abriu a fala citando Carlos Drummond de Andrade, aniversariante do dia: “Gratidão, essa palavra, tudo”. Ela direcionou esse agradecimento ao presidente do Flitabira e aos seus curadores: “Afonso, esse realizador dos impossíveis, levando a literatura para todos os lugares possíveis, incluindo autores de todas as regiões do Brasil. Esses festivais são um campo de reumanização e reencantamento com o mundo”.

A mediadora comentou que essa mesa traz autores do Sul, tanto do Brasil quanto do continente – no caso de Camila Fabbri, autora argentina. “São autores que foram colocados diante do desafio de narrar, na contemporaneidade, esse mundo destroçado, esse mundo absurdo”, destacou. “Combinamos aqui de falar como a literatura existe, resiste e reexiste no meio dos traumas. Como é que a gente escreve, inventa e ficcionaliza no meio desses apocalipses?”

Simone, então, apresentou brevemente os dois livros de Camila Fabbri lançados no Brasil, “O dia em que apagaram a luz” e “Estamos a salvo” – o primeiro narra um acontecimento que deixou uma marca muito forte na geração da autora na Argentina: um grave acidente em uma casa noturna. “Esse ambiente tão perturbador, até traumático, que você viveu, criou uma literatura em que a gente não sabe quem está a salvo. Queria que você falasse sobre isso. (…) A literatura pode salvar alguma coisa?”

Camila Fabbri respondeu: “O problema, para que a literatura nos ajude nesse momento, é que não há Estado que cuide do trabalho artístico do escritor. Assim como do cineasta, do artista visual. A indústria cinematográfica é uma das mais golpeadas pelo Estado argentino neste momento. Isso acontece quando não há Estado: os jovens ficam mais vulneráveis, e tragédias como aquela que aconteceu na Argentina podem acontecer novamente”.

Paulo Scott falou sobre seu mais recente livro, “Direito constitucional antirracista”: “Esse livro foi escrito a partir da compreensão de que o direito brasileiro é uma máquina de produção de traumas, pois, produzindo traumas, você alimenta o medo e mantém o controle”. Ele prosseguiu: “O direito brasileiro é morte. Esse livro é uma tentativa de construção de uma onda que perceba que só é possível falar de justiça no Brasil se nos atentarmos para outras linguagens”. Paulo, então, citou obras literárias, da música e do cinema fundamentais para (re)pensar a justiça no Brasil. “O racismo não é só questão moral, mas é questão econômica e, portanto, política”, leu em um trecho da publicação.

“Uma estabilidade baseada no medo, no trauma e na morte. Não é de surpreender que, neste momento, as pessoas estejam aplaudindo o que está acontecendo no Rio de Janeiro”, declarou Paulo, numa fala contundente sobre os acontecimentos graves na capital carioca no início desta semana.

Simone perguntou a Taiane Santi Martins sobre o seu romance “Mikaia”, que tem uma protagonista que vivenciou uma guerra civil. “O que é que estamos vivendo aqui hoje senão uma quase guerra civil?”, pontuou Simone. “Queria que você falasse sobre a memória que a guerra deixa no corpo.”

“Primeiro, quero falar de poesia”, iniciou Taiane. Ela então leu um trecho inédito de seu próximo livro. Na sequência, destacou: “O trauma não é exatamente a situação traumática que a pessoa passa, mas aquilo que fica na pessoa. Para existir trauma, existe atravessamento”. Sobre o Rio de Janeiro, a autora acrescentou: “O maior massacre é sempre o próximo”.

Camila Fabbri também é cineasta. Simone Paulino perguntou à convidada: “Como as suas narrativas desse mundo contemporâneo despedaçado também aparecem no seu cinema, na sua direção?” A escritora refletiu sobre o delicado momento político e social da Argentina hoje: “Essa é uma questão civil, não é mais uma questão de fascismo. Fale o que fale, escreva o que escreva, parece que nada acontece nunca”.

“Como fazer para sair da paralisia do trauma e se mover?”, perguntou Simone a Paulo Scott. “O racismo é uma paixão poderosa. O fascismo está muito conjugado com as emoções”, refletiu o escritor. “Quem se levanta no Brasil é assassinado”, prosseguiu, comentando um grave crime ocorrido em Porto de Galinhas contra uma mulher negra que denunciou um esquema de corrupção. Paulo Scott finalizou sua fala citando o Rap da Felicidade: “Isso aqui vale mais do que qualquer tratado de direito escrito até hoje nesse país”.

“Vamos fazer poesia, porque os fascistas odeiam poesia”, comentou Simone Paulino a Taiane Santi Martins, que segurava um livro de Drummond. Santi, então, leu o poema “A flor e a náusea” no encerramento da conversa:

“Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor.
Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.”

Sobre o 5.º Flitabira

O 5.º Flitabira é patrocinado pela Vale, via Lei Rouanet do Ministério da Cultura, e tem apoio da Prefeitura de Itabira. Com uma programação extensa, para todos os públicos e idades, o 5.º Flitabira promove debates literários, lançamentos de livros, contação de histórias para crianças, prêmio de redação e desenho, apresentações musicais e teatrais e oficinas, tudo ao redor de uma imensa e linda livraria. Criou também o “Flitabira da Gente”, dedicado aos empreendedores locais.

Serviço

5.º Festival Literário Internacional de Itabira – Flitabira

De 29 de outubro a 2 de novembro, quarta-feira a domingo

Entrada gratuita

Local: Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade e avenida lateral.

Toda a programação é transmitida online pelo Youtube @flitabira

Informações para a imprensa

imprensa@flitabira.com.br

Jozane Faleiro – 31 99204-6367

Laura Rossetti – 31 99277-3238

Letícia Finamore – 31 98252-2002