Pedro Drummond, neto de Carlos Drummond de Andrade, levou o escritor Ailton Krenak para um passeio pela vida e a obra do poeta itabirano na manhã desta quarta-feira, 1º de novembro, no Memorial Carlos Drummond de Andrade, na cidade de Itabira. Logo na fachada da instituição, uma série de reproduções em grandes dimensões dos autorretratos de Carlos Drummond recebe os convidados. Pedro comentou com Ailton sobre esses desenhos. Segundo ele, o avô jogara muitos deles no lixo. No que eram imediatamente resgatados pelo neto, afinal, eram registros preciosos.de uma faceta singular do autor. Dos desenhos, passamos para a letra: a caligrafia de Drummond encanta Krenak na entrada do Memorial, reproduzida pelas paredes de um corredor. “Que caligrafia mais linda e desafiadora”. Ambos estão na cidade para participar da terceira edição do Flitabira – Festival Literário de Itabira, que segue até o dia 5 de novembro, no Centro Histórico.
A visita à biblioteca do Memorial apresenta à Ailton Krenak uma série de volumes especiais, tanto das obras escritas por Drummond, quanto do próprio acervo pessoal do escritor. Enquanto ainda era vivo, Carlos Drummond de Andrade doava regularmente exemplares de livros de seu acervo pessoal para a Biblioteca Pública de Itabira. Estão ali livros com dedicatórias especialmente escritas por seus autores e autoras para o poeta itabirano, por exemplo. Muitos destes volumes passaram por processos de restauração antes de integrarem as prateleiras do acervo. Verdadeiros tesouros literários. Em um exemplar de “Ariana, a mulher”, de Vinícius de Moraes, lê-se: “A Carlos Drummond de Andrade, com um reconhecido abraço de simpatia e admiração. Vinícius, novembro, 1936.”
Entre as prateleiras da biblioteca, Ailton Krenak encontrou um exemplar da mais recente edição de “O sentimento do mundo”, publicado originalmente em 1940. Essa edição é especial ao trazer um posfácio de Krenak, onde o autor relata o encantamento com a descoberta da poética drummondiana. “Só depois de chegar aos 20 anos é que fui ler a nossa literatura brasileira, e Drummond aparece nesse horizonte como ilha de reconhecimento, possibilidades de identificação com a maneira como o poeta estranha o mundo”.
Ao longo do passeio, foi possível perceber os muitos pontos de contato entre a obra de Drummond e a obra de Krenak, sobretudo na relação dos dois escritores com a natureza. Carlos Drummond de Andrade leu como nenhum outro as transformações que a paisagem natural de sua cidade natal sofreu, em ritmo acelerado, com o passar dos anos. “O destino nos deu o presente de sentirmos as montanhas como extensão de nosso corpo, cada um na sua pedra, ferro e aço. Um vale que foi desde muito, muito tempo mesmo, o lar de um povo selvagem, minha aldeia dos antigos botocudos, e sua Itabira.”, declara Krenak também no posfácio de “O sentimento do mundo”.
Com a leveza e o bom humor característicos, Ailton Krenak visitou os diversos espaços e instalações que compõem o Memorial. Numa delas, um telefone insistentemente toca, até que alguém o atenda. Do outro lado da linha está o poeta. “Drummond, como você adivinhou que eu estava passando por aqui justo agora”, brincou Krenak ao atendê-lo.
Durante a visita, Ailton Krenak citou a importância dos festivais literários, como o Flitabira, para “um país que era considerado, até outro dia, um país de analfabetos”, destacando a relevância social de se realizar eventos como esse tanto nas grandes metrópoles, quanto nas pequenas cidades. “Eu já pensei, inclusive, em realizar um festival literário na aldeia”, complementa o escritor. Sobre a temática desta edição do Flitabira, “Arte, literatura e correspondência”, que resgata a obra epistolar de Carlos Drummond de Andrade, Krenak comentou: “Resgatar cartas é resgatar formas e maneiras de sociabilidade que foram abandonadas. A experiência de escrever cartas nos coloca em uma outra experiência do próprio tempo. Nos coloca em contato com uma humanidade que ainda tinha tempo”. No que ele complementa: “O prazer de conviver, de trocar e de compartilhar. A carta é isso”.
Esta manhã de visita ao Memorial Carlos Drummond de Andrade, em companhia de Pedro Drummond e Ailton Krenak foi um verdadeiro mergulho na história. Tanto aquela de Drummond, quanto uma história da própria humanidade. “Quantos presentes ganhamos aqui hoje. Alguns deles podemos levar em sacolas. Mas o presente de verdade, a gente leva na memória”, concluiu, poeticamente, Ailton Krenak ao final.
Texto de Gabriel Pinheiro
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