por Gabriel Pinheiro

Na segunda mesa deste dia de abertura do  Festival Literário Internacional de Itabira – 4.º Flitabira –, o teatro da Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade recebeu nomes singulares da literatura em língua portuguesa contemporânea: o escritor português Valter Hugo Mãe e os brasileiros Itamar Vieira Junior, Morgana Kretzmann e Bianca Santana, curadora do Flitabira e mediadora da conversa.

 

Bianca Santana abriu o bate-papo trazendo o tema do festival – Literatura, amor e ancestralidade – direcionando-o, primeiramente, para Morgana Kretzmann. Para Morgana, pensando na temática: “Só existe uma maneira de a gente salvar a vida humana neste planeta, que é pela ancestralidade, por intermédio das pessoas que vieram antes de nós e o que elas têm para nos contar, seja na literatura escrita, seja na oralidade”. A autora disse acreditar na literatura como ferramenta de mudança e de uma construção de afeto pelo planeta. “Que não apenas a gente tenha uma chance aqui na Terra, mas que as próximas gerações também.”

 

Itamar Vieira Junior abriu sua fala destacando a palavra “amor”: “Pensando nos meus livros, acho que  só escrevo sobre o amor. Tudo o que faço é com amor, é pelo amor. Mesmo em situações de grande violência em minhas histórias, as pessoas agem por amor, para proteger os seus”. Para o escritor, a história da literatura  baseia-se na ancestralidade. “As pessoas já escreviam sobre aqueles que vieram antes. Mas, hoje, vejo que, a partir do momento em que aqueles que foram historicamente excluídos alcançam a escrita, o tema da ancestralidade, muitas vezes, é visto como um problema.” O escritor prosseguiu, citando outra convidada do Flitabira, Eliana Alves Cruz: “Quero falar daqueles que carregaram as pedras, daqueles que não tiveram a oportunidade de ler e de escrever, não quero escrever sobre esses que dão nome às ruas, mas sobre aqueles que as construíram”. Itamar ainda destacou o papel da literatura com a alteridade, essa possibilidade de se colocar no papel do outro.

 

Valter Hugo Mãe destacou a forte presença de Carlos Drummond de Andrade em Itabira, sentimento compartilhado por todos aqueles que caminham por essa cidade-símbolo da obra do poeta itabirano. Na sequência, também destacou o papel da ancestralidade no fazer literário: “Uma das coisas que me coloca num papel de diferença a respeito da ancestralidade aqui no Brasil é que ela, na Europa, é muito velha. Ela nos transmite uma espécie de melancolia, que nós, europeus, não sabemos muito o que fazer. É uma diferença tremenda da ancestralidade vista no Brasil. Aqui, a ancestralidade tem a ver com começos, com o começo das coisas. A ancestralidade indígena, a ancestralidade dos povos negros”. Para o escritor, saber das próprias origens é uma forma de pertencimento. “A gente precisa disso, é uma questão identitária.”

 

A conversa prosseguiu com uma reflexão de Bianca sobre as obras dos três convidados de mesa, na maneira como tais livros são fortemente imaginativos na construção de novas possibilidades de lugares, de um próprio país. Valter falou sobre “As doenças do Brasil”, um dos seus romances mais recentes em que constrói um Brasil imaginário. “Eu cobiço a brasilidade”, brincou o autor português. “O meu livro busca uma história do Brasil contada a partir de uma comunidade indígena, acompanhando dois irmãos: um indígena e um negro. Ainda que pareça que eu estou a contar uma história que não é minha, na verdade, estou. Estou contando que aquilo que aconteceu – o descobrimento do Brasil, a colonização – pode ser visto de outra maneira, não apenas da visão dos brancos, dos europeus.”

 

Na sequência, Morgana resgatou suas origens, tendo nascido na fronteira entre o Brasil e o Uruguai. “Todas as histórias que conto, tudo que procuro falar sobre a minha arte, é sobre esse lugar, esse território, essa geografia. Para a maioria das pessoas, esse é um território desconhecido. Para mim, esse é o lugar onde tudo começa. Tenho como projeto literário continuar falando desses lugares, dessas pessoas, desse Brasil profundo.” Pensando na discussão ecológica que é fortemente presente em seu romance “Água turva”, Morgana fez um discurso contundente sobre os pequenos produtores rurais e as pequenas comunidades: “Essas pessoas não são responsáveis pela crise climática que nos acomete hoje. Os responsáveis são as grandes empresas, os grandes agricultores. Temos que marcar essa diferença. Muitas vezes, os pequenos produtores, aquelas pequenas famílias que se dedicam à agricultura, são vistos nesse lugar de poluidores, de responsáveis pela crise climática”.

 

Itamar comentou a liberdade da criação e da fabulação na literatura: “Não podemos deixar ninguém sequestrar a liberdade da literatura em criar. A literatura é um espaço de plena liberdade. É onde podemos viver a vida do outro”. Na sequência, o autor comentou sobre seus romances – “Torto arado” e “Salvar o fogo” que, com o próximo romance de Itamar, formarão um tríptico sobre a relação do homem com terra – e na maneira como foi impactante mergulhar no Brasil de hoje para a escrita das obras. “Ao mesmo tempo que eu tentava entender o Brasil a partir de sua história e do legado colonial e escravagista, pensei em histórias que estavam além de tudo isso. Queria pensar na nossa relação com o território. Aliás, o nosso corpo é o nosso primeiro território, que não existe sozinho, mas em relação com esse chão que existe sob nossos pés. O território é algo vital para a existência do ser humano. E muitos são privados disso.” Para o escritor, a literatura é um lugar de invenção: “Eu poderia escrever ensaios, mas eu acho que a literatura tem algo que outras escritas não são capazes de nos dar. A literatura nos permite recriar subjetividades. Pelos meandros da ficção,  posso mostrar o real de outra maneira. Posso despertar algo no meu leitor”.

 

“Me orgulha muito me ver na mesma geração de autores e autoras como vocês”, destacou Bianca Santana ao fim da conversa. Na sequência, a mediadora perguntou sobre as dedicatórias dos livros dos autores participantes da conversa. Os convidados comentaram sobre como as dedicatórias podem ser espaços de afetividades. Itamar disse se lembrar, no momento de dedicar um livro, daqueles que vieram antes. “‘Torto arado’ dediquei ao meu pai e ‘Salvar o fogo’, dediquei à minha mãe. É uma forma de homenageá-los, sem eles eu não seria ninguém.” Já Morgana dedicou seu primeiro romance “Ao pó”, ao companheiro, o escritor Paulo Scott, enquanto o segundo, “Água turva”, é dedicado a Exu, segundo ela, “minha ancestralidade”. Concluindo a conversa, Valter Hugo Mãe destacou que suas dedicatórias são, muitas vezes, direcionadas a pessoas que nunca imaginariam ganhar uma dedicatória sua. “Descubro algo na vida dessas pessoas que me leva a dedicá-las um livro meu.”

 

Direcionando-se aos colegas autores, Itamar Vieira Junior declarou o fim do papo: “Quem salva a gente são os leitores”. Uma frase que ficará marcada nesta 4ª edição de Flitabira.

 

Sobre o Instituto Cultural Vale

O Instituto Cultural Vale acredita que a cultura transforma vidas. Por isso, patrocina e fomenta projetos em parcerias que promovem conexões entre pessoas, iniciativas e territórios. Seu compromisso é contribuir com uma cultura cada vez mais acessível e plural, ao mesmo tempo em que atua para o fortalecimento da economia criativa. Desde a sua criação, em 2020, o Instituto Cultural Vale já esteve ao lado de mais de 800 projetos em 24 estados e no Distrito Federal, contemplando as cinco regiões do País. Dentre eles, uma rede de espaços culturais próprios, patrocinados via Lei Federal de Incentivo à Cultura, com programação gratuita, identidade e vocação únicas: Memorial Minas Gerais Vale (MG), Museu Vale (ES), Centro Cultural Vale Maranhão (MA) e Casa da Cultura de Canaã dos Carajás (PA). Onde tem Cultura, a Vale está. Visite o site do Instituto Cultural Vale: institutoculturalvale.org

 

Sobre o Flitabira

A 4.ª edição do Festival Literário Internacional de Itabira – Flitabira – acontece entre os dias 30 de outubro e 3 de novembro de 2024, quarta-feira a domingo, na Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade (Av. Carlos Drummond de Andrade, 666, Centro), com entrada gratuita.

 

Com o tema “Literatura, Amor e Ancestralidade”, o 4.º Flitabira tem o patrocínio do Instituto Cultural Vale, via Lei Rouanet do Ministério da Cultura, com o apoio da Prefeitura de Itabira.

 

Serviço:

4.º Festival Literário Internacional de Itabira – Flitabira

De 30 de outubro a 3 de novembro, quarta-feira a domingo

Local: programação presencial na Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade (Av. Carlos Drummond de Andrade, 666, Centro) e programação digital no YouTube, Instagram e Facebook – @flitabira

Entrada gratuita

 

Informações para a imprensa:

imprensa@flitabira.com.br

Jozane Faleiro  – 31 99204-6367/ Letícia Finamore – 31 98252-2002