A quarta edição do Festival Literário Internacional, o Flitabira, apresenta a escritora Silvana Gontijo como uma das escritoras convidadas para integrar a programação do evento. Apresentando um pouco de sua literatura e de seu trabalho como um todo, Silvana concedeu uma entrevista à equipe de comunicação do Flitabira, na qual compartilha seu parecer sobre o papel dos festivais literários – como é o caso do Flitabira – na promoção da literatura infantojuvenil, além de discutir os desafios e as oportunidades da leitura em tempos digitais.

Leia a entrevista a seguir:

Como você enxerga a importância de festivais literários como o Flitabira para a promoção da literatura infantojuvenil no Brasil?

Os festivais literários, principalmente os organizados por Afonso Borges, têm uma importância crucial. Primeiro porque eles não se veem dissociados do trabalho com as escolas. Então, a gente, que é autor para a criança e para o jovem, interage com professores, estudantes, de uma forma muito interessante. Acho que tem um lado, que é muito mais instigante para mim, que nós autores também vamos aprendendo, com os colegas, diferentes maneiras de divulgar o nosso trabalho. E nos Flis do Afonso a gente se sente muito reconhecida pela organização e pela produção do festival. Diferentemente de outras áreas, em que a literatura adulta prepondera, temos visto nesses festivais um grande incentivo à formação desse público leitor de crianças e jovens – que um dia será o público adulto. Isso é fundamental.

Quais temas ou mensagens você mais gosta de explorar em suas obras?

Venho do jornalismo político, lá atrás, e cultural. Via de regra, trabalho algumas causas na minha literatura infantojuvenil. A primeira delas é a natureza, o meio ambiente, com ênfase na questão das águas. Essa é uma questão que me preocupa muito. Além disso, a ideia da convivência harmônica entre os diferentes. A Turma do Planeta, essa turma de personagens cujos livros vou lançar no Flitabira, trabalha exatamente a pluralidade étnica e cultural brasileira e o valor da diferença na convivência, diferentemente do que a gente tem vivido. Nos meus livros, as diferenças são um grande barato. São um prêmio, um presente e não um empecilho à ao bom convívio. Além disso, tem uma luta minha contra o racismo e contra a discriminação dos nossos povos originários. Trato também do racismo ambiental e da intolerância religiosa. Enfim, todas essas questões estão de certa forma abordadas ali.

Como você equilibra a diversão e o aprendizado nas suas obras para o público jovem?

A minha turma de personagens, a Turma do Planeta, é uma banda musical, por isso ela tem sempre essa relação com a música. Trago muito essa turma como um canal de divulgação da cultura brasileira, da música, da literatura, das artes plásticas. Agora mesmo quero fazer a Turma indicar uma releitura de Portinari, alguns músicos brasileiros também estão mencionados nos meus livros. Minhas personagens são também divulgadoras da literatura brasileira. O legal é que são obras de ficção que, com as aventuras, tudo isso fica no meio da história. Então não tem proselitismo, nenhum tipo de didatismo entediante – pelo contrário. Acho que o livro infantil tem que ser divertido mesmo. Sem o que, nem gosto de escrever, nem a criança vai gostar de ler. Exatamente porque a Turma do Planeta apresenta personagens que são músicos e têm uma banda; para cada livro que escrevo, componho uma canção. Tem sempre um QR Code que leva para essa canção e para uma animaçãozinha também cartunizada. Então, a coleção de seis volumes tem esse lado multimídia, com uma pegada de levar para o mundo digital e voltar para saber o resto da história.

Como você avalia o impacto da literatura na formação das crianças e dos jovens hoje, em um mundo tão marcado pelo espaço digital?

O impacto da literatura na formação das crianças é simplesmente uma necessidade. Não é nem mais uma possibilidade, só. Trabalho muito com educação e sempre estudei os fenômenos das mídias, das linguagens, dos espaços digitais e seus impactos na cognição, e a gente está vendo que esse excesso de exposição às telas e à experiência digital está corroendo uma série de competências para se raciocinar de forma abstrata. A literatura tem isso: quando leio e você lê o mesmo livro com as mesmas palavras, a imagem que se forma na minha mente, a partir daquela descrição é uma e na sua é outra. Já as telas nos explicitam determinados conceitos com uma única imagem. Isso vai atrofiando a competência para se raciocinar abstratamente, o que foi a grande construção de todas as línguas, de todos os significados, de todos os processos de comunicação que a humanidade levou milhões de anos para desenvolver – desde a oralidade até a escrita, em todas suas manifestações. Então acho que a gente precisa cada vez mais estimular a ler da esquerda para a direita, de cima para baixo, página após página, porque nada substitui essa experiência da leitura e, portanto, da produção literária.

Indo além, quais desafios você enxerga na promoção da leitura entre crianças e adolescentes nos dias de hoje?

Vejo que o principal desafio é a relação familiar. Cada vez mais os pais estão nos celulares, nas telas, e crianças se constroem a partir dos exemplos do mundo adulto. Vejo também como um grande desafio hoje; quando as escolas me trazem a questão das crianças não quererem ler, sempre faço uma anamnese. Pergunto assim: os pais leem? Leem na presença dos filhos? Acostumaram a ler para os filhos? Acostumaram os filhos com o objeto-livro? O maior problema está em casa. Aconselho, quando as pessoas me perguntam, que a gente comece a colocar a experiência da leitura com os bebês. O objeto-livro, se você carrega, põe a criança no colo, de forma aconchegada, ela simplesmente passa a entender que aquele objeto é uma fonte de prazer, é uma fonte de carinho, de afeto, de pertencimento. E isso passa para a experiência da leitura propriamente dita. O objeto-livro já sinaliza para a criança que aquilo é um momento de prazer.

Qual a importância da literatura na conscientização ao cuidado com o meio ambiente?

A literatura é um instrumento de conscientização via de regra, e tem literatura que é muito importante por abordar a questão ambiental, inspirar para o cuidado com o meio ambiente. É imprescindível abordar questões que conscientizam crianças, jovens e adultos dos riscos que estamos correndo. A gente hoje está vivendo uma emergência climática, não é mais uma mudança climática. O planetapontocom, a instituição que dirijo, trabalha com o desenvolvimento de soluções inovadoras para a educação pública brasileira. Hoje, inovar é trabalhar a educação totalmente associada ao meio ambiente como tema transversal do conteúdo curricular propriamente dito. Então, a literatura, a experiência de ler e de escrever tem a ver com essa reprodução do mundo à nossa volta. Não é possível para mim, pelo menos, como autora, abordar e escrever qualquer obra de ficção que, de certa forma, não denuncie esse estado de coisas ou que não inspire as pessoas a tentarem mudar esse estado de coisas. Penso que nós que escrevemos temos uma missão hoje, bastante desafiadora, que é conscientizar para os riscos que cada ser humano está correndo diante dessa devastação que se coloca no planeta Terra.

Como seus projetos, como a Turma do Planeta, dialogam com o momento atual da sociedade?

A gente hoje olha para tudo o que a gente está fazendo – quando digo a gente, falo de um grupo que trabalha comigo no planetapontocom, na revistapontocom, na Turma do Planeta e no programa Esse Rio é Meu, que leva todas as escolas a trabalharem pela recuperação do Rio mais próximo a elas, com inúmeros casos de êxito. A gente fez uma pesquisa em 2014 com quatro mil professores no Brasil todo, perguntando quais eram as causas que mais mobilizavam e mais inspiravam seus alunos. O resultado foi que mais de oitenta por cento apontava para a questão ambiental. E o recorte mais votado dessa questão foi a causa água, por isso a gente passou então a desenvolver programas que trabalhassem com a preservação dos patrimônios hídricos em articulação com a experiência pedagógica. E a gente construiu o programa Esse Rio é Meu, que hoje é um êxito. A Turma do Planeta, essa coleção que estou lançando, é exatamente inspirada nas crianças das escolas que nos ajudaram a recuperar o Rio Carioca. E eu trabalho também muito com a cultura de paz. As personagens da Turma do Planeta estudam na escola E.M. P a Z – Escola Municipal Planeta de A a Z De novo, a convivência harmônica entre os deferentes está o tempo inteiro presente. Eles viajam no tempo, vivem juntos de forma colaborativa e harmoniosa. Em uma determinada canção, eles conseguem mobilizar o território, a sociedade, para ajudá-los na causa da recuperação do rio deles. E isso vai sendo inspirador. O que os professores estão me dizendo é que eles começam a usar muito o material da Turma do Planeta ao perceberem a quantidade de articulações, não só com o currículo, mas com essas questões ambientais e com as competências socioemocionais. Eu estou muito feliz com esse resultado e com essas respostas que eu estou tendo de vários professores que se manifestam em relação aos meus livros. Acho que o momento atual da sociedade que a gente está vivendo é um momento de: ou a gente cuida do que temos, do patrimônio cultural imaterial e do patrimônio ambiental, ou a gente perece como civilização.

Quais são seus “planos literários”?

Bem, a Turma do Planeta tem muito a dizer ainda para crianças e jovens, e já tem alguns livros aqui indo para o forno. O mais importante é que também estou escrevendo roteiros para um espetáculo musical com a Turma do Planeta e para um teatro de fantoches. São questões que também são literárias, fora o roteiro de uma exposição que está sendo encomendada e em que a gente quer mostrar essa aventura de limpeza do Rio Carioca feita pelas crianças. É uma exposição voltada para a infância. Além desses livros já estarem gerando esse subprodutos culturais, têm outros livros no forno. Acho que a gente tem muito a falar ainda e a inspirar, divertir essas crianças todas que estão gostando de ler o que estou escrevendo.

Tem uma questão que gosto muito de falar dela, que chamo de literacia da natureza. O que é isso? Nós fomos letrados pelo alfabeto, pelos símbolos todos de escrita, para ler e escrever. Essa é a gente que passou por um letramento. Fomos letrados para o mundo digital – a palavra letra não cabe, mas é um letramento digital para nos apropriarmos dos códigos, dos recursos e das linguagens do meio digital. Mas a gente está perdendo a competência para dialogar com a natureza, para ouvir e interpretar os sinais que a natureza dá. E são eles os mais diferentes. Então, na Turma do Planeta, todo mundo fala, inclusive o Rio, toda a natureza fala. E eu acho que é muito importante explorar muito mais essa interlocução entre humanos e natureza e meio ambiente.

 

Sobre o Instituto Cultural Vale

O Instituto Cultural Vale acredita que a cultura transforma vidas. Por isso, patrocina e fomenta projetos em parcerias que promovem conexões entre pessoas, iniciativas e territórios. Seu compromisso é contribuir com uma cultura cada vez mais acessível e plural, ao mesmo tempo em que atua para o fortalecimento da economia criativa. Desde a sua criação, em 2020, o Instituto Cultural Vale já esteve ao lado de mais de 800 projetos em 24 estados e no Distrito Federal, contemplando as cinco regiões do País. Dentre eles, uma rede de espaços culturais próprios, patrocinados via Lei Federal de Incentivo à Cultura, com programação gratuita, identidade e vocação únicas: Memorial Minas Gerais Vale (MG), Museu Vale (ES), Centro Cultural Vale Maranhão (MA) e Casa da Cultura de Canaã dos Carajás (PA). Onde tem Cultura, a Vale está. Visite o site do Instituto Cultural Vale: institutoculturalvale.org

Sobre o Flitabira

A 4.ª edição do Festival Literário Internacional de Itabira – Flitabira – acontece entre os dias 30 de outubro e 3 de novembro de 2024, quarta-feira a domingo, na Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade (Av. Carlos Drummond de Andrade, 666, Centro), com entrada gratuita.

Com o tema “Literatura, Amor e Ancestralidade”, o 4.º Flitabira tem o patrocínio do Instituto Cultural Vale, via Lei Rouanet do Ministério da Cultura, com o apoio da Prefeitura de Itabira.

Serviço:

4.º Festival Literário Internacional de Itabira – Flitabira
De 30 de outubro a 3 de novembro, quarta-feira a domingo
Local: programação presencial na Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade (Av. Carlos Drummond de Andrade, 666, Centro) e programação digital no YouTube, Instagram e Facebook – @flitabira
Entrada gratuita

Informações para a imprensa:

imprensa@flitabira.com.br
Jozane Faleiro  – 31 99204-6367/ Letícia Finamore – 31 98252-2002