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Drummond e Portinari: a poesia pintada

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Por Laura Rossetti (*)

O Festival Literário Internacional de Itabira (Flitabira) dá sequência à programação de 2021 com uma transmissão ao vivo pelas redes sociais do Sempre Um Papo. Os convidados para a conversa de sexta-feira, dia 9 de julho, às 19h, foram o escritor e professor João Cândido Portinari, filho do pintor Cândido Portinari (1903-1962), e o artista plástico Pedro Drummond, neto do poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). A mediação foi feita pelo jornalista e idealizador do projeto, Afonso Borges, que estava presente na Casa  de Drummond, onde o poeta itabirano morou durante sua infância.

O bate-papo entre os dois marcou a inauguração da exposição “Ocupação Dom Quixote – Portinari e Drummond”, no dia 10 de julho, sábado, na Praça do Areão, em Itabira. A mostra apresenta a reprodução de 21 ilustrações feitas pelo pintor Cândido Portinari, em 1956, para ilustrar a segunda edição de uma tradução para o português do livro “Dom Quixote de La Mancha”, escrito pelo espanhol Miguel de Cervantes (1547-1616). Carlos Drummond de Andrade, que foi um grande amigo do pintor, escreveu 21 poemas referentes aos desenhos e que foram publicados junto com as ilustrações.

A live foi iniciada com a fala de Luiz Eduardo Osorio, presidente do Conselho do Instituto Cultural Vale, entidade patrocinadora do Flitabira, com recursos da Lei Federal de Incentivo à Cultura da Secretaria Especial da Cultura do Ministério do Turismo. “Iniciativas como essa acabam nos unindo à literatura, arte, cultura e educação, que são tão importantes para a evolução social e da humanidade“, afirmou Osorio. Além do patrocínio do Instituto Cultural Vale, o projeto conta com o apoio da Prefeitura Municipal de Itabira e da Fundação Carlos Drummond de Andrade.

Durante a transmissão, os convidados contaram sobre a fraternal relação entre Drummond e Portinari. “Recebi o reflexo dessa amizade, desse amor e admiração (entre os dois)”, conta Pedro, que afirma ter compreendido a importância de seu avô dentro da poesia brasileira somente na adolescência. “Do Carlos, a primeira coisa que recebi foi o amor de avô. Quando criança eu sabia que ele era poeta, e isso me causava uma simpatia enorme, mas o primordial era o amor dele, o carinho, as brincadeiras e as histórias que ele contava”, diz.

Pedro também contou divertidas anedotas envolvendo os dois amigos, como na vez em que Drummond esteve em Buenos Aires e foi a um cabeleireiro indicado pelo pai de Pedro. “O Carlos foi lá cortar o cabelo e o cabeleireiro falou assim: – Você não é o poeta Drummond, do Brasil? – O Carlos voltou para a casa todo impressionado (pensando) ‘Como a Argentina é um país culto! Em Buenos Aires até um cabeleireiro reconhece um poeta brasileiro’. Mas, ao final, descobriu-se que o cabeleireiro costumava cortar o cabelo do papai em casa e tinha reconhecido o Carlos pelo retrato dele, feito pelo Portinari, que tínhamos em casa”, lembrou Pedro, aos risos.

João Cândido, por sua vez, também expressou o carinho e a admiração que sente pelo pai. “A luta dele foi plena. Esse sacrifício final faz todo sentido: ele entregar a própria vida à síntese de tudo aquilo que ele quis significar”, afirma o professor, referindo-se ao fato de que, ao final da vida, mesmo sofrendo de intoxicação pelas tintas utilizadas em suas obras, Portinari aceitou fazer, para a sede da Organização das Nações Unidas (ONU), os painéis “Guerra” e “Paz”.

João, que é fundador e diretor-geral do Projeto Portinari, também contou sobre a mudança de percepção acerca de seu pai ao longo de décadas de pesquisa e organização de informações sobre sua vida e obra. “Quando eu comecei o projeto, há 42 anos, eu imaginava só o (legado) pictórico. Mas a gente conseguiu catalogar 30 mil documentos, (sendo) 6 mil cartas que o Portinari trocou com aquela gente fantástica da geração dele. E assim, descobrimos uma outra dimensão que se equipara ao legado pictórico, que é o legado ético e humanista dele”, afirma.

Ainda durante a conversa, foi exibido um vídeo – feito com a curadoria de Jhonathan Nicoletti – simulando, no formato de um tour virtual, a “Ocupação Dom Quixote – Portinari e Drummond” na praça do Areão, em Itabira. Em seguida, foram mostrados os preparativos reais para a exposição na praça. Tudo isso ao som da belíssima música “Un son para Portinari”, interpretada pela cantora argentina Mercedes Sosa e composta pelo poeta cubano Nicolás Guillén.

Ao final da transmissão, Afonso perguntou a João Cândido sobre a atual situação da casa no bairro Cosme Velho, na zona sul do Rio de Janeiro, onde Portinari morou durante sete anos. Apesar dos esforços de João em preservá-la e transformá-la em um centro de arte e educação, o imóvel nunca foi devidamente reconhecido e valorizado como patrimônio cultural brasileiro. “Essa casa nunca teve sequer uma plaquinha dizendo ‘Aqui viveu Cândido Portinari’, e hoje ela está simplesmente desabando”, responde.

Foi reforçada a importância da preservação da casa do pintor, onde frequentaram artistas como Graciliano Ramos, Heitor Villa-Lobos, Jorge Amado, Drummond, Cecília Meireles, Vinicius de Moraes, entre tantos outros. “Nesta casa, ele (Portinari) fez 1.180 obras, inclusive o Painel Tiradentes. Nos fundos da casa tem um ateliê projetado por Oscar Niemeyer”, conta o filho do pintor. Afonso Borges assumiu, junto com João Cândido, o esforço para  transformar a casa em Centro Cultural.

Acesse a gravação completa da conversa, que contou com tradução simultânea em Libras, no Facebook e YouTube do Sempre Um Papo.

*Estagiária sob a supervisão da jornalista Jozane Faleiro

Frases

“Todos temos que sentar em cima do amor”. – Pedro Drummond

“Podemos dizer que essa live começou há pouco mais de 500 anos, quando Cervantes escreveu Quixote”. – Pedro Drummond

“Quem se dedica à arte é um pouco Dom Quixote”. – Pedro Drummond

“Nesse percurso do Projeto Portinari, eu aprendi que as coisas vão se fazendo lá no céu” – João Cândido Portinari

“Hoje, nós nos tornamos um pouco ilhas, e não estou falando da pandemia não. Muito antes dela a gente já tinha virado ilha”. – João Cândido Portinari

“O mais fundamental de tudo é passar esse legado pictórico, ético e humanista para as crianças. Elas são o futuro”. – João Cândido Portinari

“Esse encontro entre nós tem como motivo a amizade. Estamos aqui em função deste valor que – está provado -, assim como a solidariedade e o compartilhamento, vai nos salvar”. – Afonso Borges