Por Gabriel Pinheiro

Encontro entre Ignácio de Loyola Brandão, Conceição Evaristo, Itamar Vieira Junior e Sérgio Abranches arrancou risos, reflexões e lágrimas no segundo dia de Flitabira

O final deste segundo dia do 5º Festival Literário Internacional de Itabira — Flitabira reuniu dois dos homenageados desta edição, Conceição Evaristo e Ignácio de Loyola Brandão, o escritor Itamar Vieira Junior e o curador e mediador Sérgio Abranches, para uma conversa com o tema “A ficção entre a denúncia e o testemunho”. Denúncia e testemunho são marcas das obras dos convidados da noite, resultando numa das mesas mais memoráveis desta edição.

Sérgio Abranches abriu a conversa celebrando os três convidados: “Três importantes vertentes da literatura brasileira. (…) Ignácio de Loyola Brandão escreveu uma obra fundamental, Zero, e, com ela, inaugurou a censura de livros no período da ditadura no Brasil. (…) Já Conceição trouxe um conceito e uma voz absolutamente necessários para a literatura brasileira. A nossa literatura pedia pela escrevivência de Conceição. (…) E Itamar Vieira Junior já tem uma obra muito representativa, mostrando que a literatura brasileira é capaz de encantar milhões de brasileiros. Ele faz um bem enorme para a literatura brasileira.”

O mediador destacou a importância do trabalho da escrita para o autor: “O livro é mais do que uma ferramenta, o livro é uma paixão.” Na sequência, ele pediu para Conceição Evaristo falar sobre uma de suas obras mais recentes — uma releitura, uma reescrita da personagem Macabéa, de Clarice Lispector. A escritora abriu sua fala refletindo: “Estou nessa mesa plena de emoção, plena de alegria, mas também plena de tristeza. (…) Mas a literatura também está aí para nos confortar, para nos permitir dizer nesse momento. Os livros trazem a vida, trazem a cara de uma nação.”

Citando uma das mais célebres frases de sua literatura — “A gente combinamos de não morrer” —, Evaristo concluiu: “Quem lida com a arte é aquele que combinou de não morrer.”

“As minhas professoras do primeiro grau me fizeram escritor”, comentou Ignácio de Loyola Brandão na sequência. Ele contou, então, sobre uma professora que um dia lhe disse: “Vá pra rua e olhe.” “Portanto, a literatura é olhar para a vida”, refletiu o escritor. “Eu vivi a minha vida inteira na imaginação e na fantasia — e estou aqui”, acrescentou.

Em pergunta de Sérgio Abranches, Ignácio de Loyola Brandão comentou sobre a escrita do clássico “Zero” e sobre a distopia. Ele relatou como uma cena vivenciada por ele e anotada em uma caderneta foi uma espécie de semente para que a história germinasse no futuro: “Uma rua sem árvores, um bairro sem árvores, uma cidade sem árvores, um país sem árvores, o Brasil sem árvores.” Ignácio partilhou com o público como as notícias dos jornais e a realidade observada inspiraram sua distopia. Depois de um processo de cinco anos de escrita, “Zero” foi publicado. “A imaginação pode se transformar na realidade”, afirmou.

Sérgio Abranches perguntou a Itamar Vieira Junior sobre a “costura” de sua “Trilogia da terra”, composta por “Torto Arado”, “Salvar o Fogo” e o novo “Coração sem Medo”. “Acho que todos nós aqui nesta mesa temos em comum a capacidade de enveredar por histórias, pela imaginação. A imaginação é um atributo humano”, iniciou Itamar. Na sequência, ele comentou que começou a escrever “Torto Arado” aos 16 anos, muito inspirado por histórias sugeridas por professoras. “Eu reconheci naquelas histórias as memórias da minha família paterna. Comecei a escrever e essa história foi surgindo.”

Itamar disse que os papéis dessa primeira versão do romance se perderam e nunca mais foram encontrados. “Mas a vontade de contar essa história permaneceu comigo.” Ele comentou como Torto Arado é uma história de amor — uma história de amor pela terra. “Eu só descobri que estava escrevendo o mesmo livro que aquele que tentei escrever 20 anos atrás na metade da escrita.”

“O direito à terra, esse direito vital, ainda é negado a muitas pessoas”, refletiu o escritor. “Quando terminei o primeiro livro, eu já sabia que essa história iria se desdobrar em mais duas”, prosseguiu, comentando brevemente as narrativas da trilogia. “O tema da terra e do território é uma centralidade nos três romances. (…) E são histórias que falam do Brasil, de nosso passado colonial e escravista, e de como isso continua vivo no nosso cotidiano”, concluiu.

Ao fim da conversa, o mediador pediu que os convidados falassem sobre seus próximos projetos. Conceição Evaristo comentou que pretende lançar futuramente o romance “Flores de Mulungu”. Além disso, a autora pretende escrever uma trilogia, que seria iniciada com o livro “Insubmissas lágrimas de mulheres”, já publicado por ela, e um volume de poemas. Conceição celebrou a homenagem que receberá no enredo de carnaval da Império Serrano em 2026. “O samba está belíssimo. Eu quero pensar esse cruzamento da literatura com o espaço do samba — a poeticidade do samba e como ele recepciona a literatura.”

Ignácio de Loyola Brandão comentou ter começado um novo livro “meio distópico”, inspirado na distopia que ele próprio observa na cidade de São Paulo. Ele disse ter fracassado na escrita de uma narrativa sobre a Covid. “Depois, pensei: seja qual for o fracasso, nunca perca o entusiasmo.” O escritor declarou ter o projeto de um livro inspirado na velhice. De um bom humor rápido e sagaz, Ignácio arrancou risadas calorosas da plateia ao longo da noite.

Em outro momento singelo, ele refletiu: “Eu tenho uma neta de dois anos, quero vê-la crescer.” Perto do final, o escritor comentou: “Pra quem escreve, não há limite. Se você tiver limite, tchau, esquece.”

Por fim, Itamar Vieira Junior comentou: “Ouvindo os projetos de Conceição, eu pensei que quero ser assim no futuro. Isso é sinal de vida, de vitalidade. Todos nós que criamos, escrevemos, temos um pouco da Sherazade. Conta-se uma história para não morrer. É isso que nos leva a continuar escrevendo.”

Celebrando as figuras de Ignácio e Conceição, Itamar refletiu: “Nesse meu caminho, eu já passei por muita coisa. Nem sempre fui bem recebido. (…) Mas tanto a Conceição quanto o Ignácio sempre me acolheram com um carinho e com um afeto que eu nem sei se consigo retribuir. Se eu tiver que fazer algum pedido pra vida, é este: ser tão generoso e tão acolhedor quanto vocês”, arrancando palmas efusivas da plateia.

“Vocês estão diante de algo muito importante. Duas gerações — eu e Conceição — que estão se retirando, e uma geração, a do Itamar, que está chegando”, concluiu Ignácio de Loyola Brandão.

Sobre o 5.º Flitabira

O 5.º Flitabira é patrocinado pela Vale, via Lei Rouanet do Ministério da Cultura, e tem apoio da Prefeitura de Itabira. Com uma programação extensa, para todos os públicos e idades, o 5.º Flitabira promove debates literários, lançamentos de livros, contação de histórias para crianças, prêmio de redação, apresentações musicais e teatrais e oficinas, tudo ao redor de uma imensa e linda livraria. Criou também o “Flitabira da Gente”, dedicado aos empreendedores locais.

Serviço

5.º Festival Literário Internacional de Itabira – Flitabira

De 29 de outubro a 2 de novembro, quarta-feira a domingo

Entrada gratuita

Local: Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade e avenida lateral.

Toda a programação é transmitida online pelo Youtube @flitabira

Informações para a imprensa

imprensa@flitabira.com.br

Jozane Faleiro – 31 99204-6367

Laura Rossetti – 31 99277-3238

Letícia Finamore – 31 98252-2002