Ilustre convidado da terceira edição do Festival Literário Internacional de Itabira – Flitabira, o escritor e líder indígena Ailton Krenak é uma das principais figuras no pensamento brasileiro contemporâneo. O autor dos livros “Ideias para adiar o fim do mundo”, “A vida não é útil” e, mais recentemente, “Futuro ancestral”, conversou com o Flitabira sobre a sua eleição para a Academia Brasileira de Letras e a urgência da necessidade de mudanças na relação do homem com a natureza.

 

Ailton Krenak, imortal da Academia Brasileira de Letras. Como você se sente com esse título? A presença de um indígena na ABL é parte de um processo maior da presença indígena em diferentes esferas? Nas universidades, na política, no Ministério dos Povos Indígenas…

Parece que o Brasil está finalmente entendendo um contexto de mudança mais amplo. O Brasil está começando a reparar o grave erro histórico de ter se desenvolvido com essa ideia da branquitude de que as instituições devem ser brancas. No nosso judiciário, no nosso parlamento, por exemplo. Essas instituições foram ocupadas pelos brancos como se essas fossem as únicas pessoas que pensassem neste país. Ao lado dos indígenas, muitos outros ficaram de fora dessas instituições.

A Rachel de Queiroz, uma mulher, só entrou na Academia Brasileira de Letras quando a instituição já completava 87 anos. Lá só tinham homens que, obviamente, eram brancos. Entrou a Rachel e tempos depois mais duas ou três mulheres e a Academia deixou de ser um clube do bolinha. Quando Gilberto Gil foi eleito, foi um acontecimento, uma novidade. Essa esquizofrenia histórica que nos constitui enquanto nacionalidade contraria muito a ideia de que a arte configura um espelho do país, de uma nação, quando essa arte tem apenas uma cor.

A minha presença na Academia Brasileira de Letras é um primeiro gesto de reparação de uma instituição relevante, afinal de contas é a nossa Academia Brasileira de Letras, fundada por Machado de Assis. Por falar em embranquecimento, o próprio Machado sofreu um rápido processo de embranquecimento nas décadas de 20, 30, 40 e por aí em diante. Ele só voltou a ser percebido agora como um homem que, nos dias de hoje, seria considerado preto. Então, eu estou muito a vontade na casa que foi fundada por um não-branco.

 

Em seu último livro, “Futuro ancestral”, você diz que o futuro é uma ilusão. Que, ao invés de nos preocuparmos em inventar futuros, deveríamos inventar novos mundos. Hoje, você está mais ou menos otimista com a possibilidade de construção de novos mundos?

No livro eu questiono essa ideia de imaginar uma coisa prospectiva no tempo, essa história de imaginar o presente ou o futuro. Não penso em produzir outros presentes ou futuros. O presente que a gente tem é esse aqui, seja bom ou ruim. O que eu enuncio é a possibilidade de criar outros mundos. Por exemplo, nós estamos vivendo aqui em Itabira uma experiência real da exaustão de um modo de economia que existiu até hoje e que cada vez mais está deixando a população, digamos, sem um horizonte. Com a perspectiva dessa atividade econômica que bombou durante quase cem anos se encerrar, as pessoas precisam inventar alguma coisa para fazer, alguma coisa para seguir em frente. Isso é criar um outro mundo. Criar um novo mundo para as pessoas que vivem aqui.

 

O rio é uma imagem forte para pensarmos a memória, a passagem do tempo, não é mesmo? Em “Futuro ancestral” você vê nas águas do rio que corre a certeza de que o Futuro é ancestral… afinal, elas já estavam aqui antes da gente e seguem, ou melhor, resistem, apesar de tudo… É um erro da humanidade seguir pensando na natureza como algo separado do humano?

Essa ideia dos humanos separados da natureza é uma ideia moderna, ela surge com a modernidade. Essa separação não existe e ela é o nosso adoecimento. Quanto mais longe da Terra, mais doente ficamos. Restabelecer a saúde da terra e dos seus organismos, o que nos inclui, seria sair dessa ideia antropocêntrica que separa o humano e a Terra. Passaríamos a pertencer.

É como aquela canção de Gilberto Gil que diz “Nós também somos do mato como o pato e o leão. Aguardaremos, brincaremos no regato. Até que nos tragam frutos teu amor, teu coração”. Olha, a gente poderia estar na natureza como pato, como tigre ou como leão. Mas a gente prefere estar como humanos. E os humanos são realmente um desastre. Quanto mais nos distanciamos nessa ideia de humanos, mais longe ficamos da nossa mãe Terra. Mais órfãos ficamos.

Entrevista feita por Gabriel Pinheiro