Por Gabriel Pinheiro

Três Imortais da Academia Brasileira de Letras se reúnem numa das grandes mesas do 5.º Flitabira

Os Imortais da Academia Brasileira de Letras Ana Maria Machado, Milton Hatoum e Miriam Leitão se reuniram com a mediadora Geni Nuñez nesta noite de sexta-feira do 5.º Festival Literário Internacional de Itabira — Flitabira. A mesa, repleta de falas inesquecíveis dos nossos convidados, teve como tema: “Territórios da palavra: o Brasil que se (re)inventa na escrita”.

Abrindo a mesa, Geni Núñez se dirigiu a Ana Maria Machado: “Eu queria começar escutando a Ana sobre algo que me emocionou muito. Numa entrevista, você falou sobre uma valorização da literatura infantil no Brasil que, às vezes, em outros contextos, não acontece da mesma forma. E que, talvez, uma das influências disso sejam as culturas indígenas, que valorizam as crianças.”

Ana Maria Machado respondeu: “Sempre me perguntam o que a gente pode fazer para estimular as crianças a lerem. Eu ouço isso há 50 anos. O que eu costumo dizer é que a melhor coisa pra estimular uma criança a ler é sempre o exemplo. Uma criança que vê adultos lendo tem mais probabilidade de ser uma criança leitora.”

Milton Hatoum falou sobre a questão familiar em sua obra: “É um tema recorrente, que está no nascimento do romance como gênero. Que percorreu todas as literaturas.” O autor prosseguiu: “O que eu procurei fazer, desde o meu primeiro romance, foi trabalhar com o drama familiar a partir da minha experiência. Cada um tem uma experiência. No fundo, é isso o que importa pra cada escritor. O que eu percebi, a partir desse romance, é que eu poderia problematizar outras coisas — ir além do conflito familiar e expandir esse conflito para outras questões, como a questão da cidade.”

Milton concluiu sua fala celebrando “Grande sertão: veredas” e seu criador, Guimarães Rosa, dizendo que, quando lemos essa obra-prima, “estamos lendo muitos outros romances, muitos outros poetas, muitos outros filósofos.”

Pensando nas fraturas expostas pela violência perpetrada no Rio de Janeiro nesta semana, Geni perguntou a Miriam Leitão sobre o negacionismo como uma forma de violência. “O negacionismo nos feriu fortemente no governo passado. Era um atentado à vida. O negacionismo da pandemia, da vacina. Setecentos mil mortos. A gente contava os mortos enquanto ouvia o governante rir”, respondeu Miriam. “O negacionismo se espalha pra tudo — a vida no planeta, a realidade de uma cidade. Ele nos tira o futuro. É contra ele que eu escrevi.”

“A memória é absolutamente fundamental pro trabalho de qualquer escritor”, comentou Ana sobre o papel da memória em sua obra. “A memória, a observação e a imaginação”, acrescentou. “Isso é matéria-prima da literatura. A gente escreve com a linguagem, que é uma memória coletiva. As palavras são o que nos fazem estar com os outros. Isso é possível pela memória de gerações.” Ela concluiu: “A memória é um dos alimentos fundamentais da arte, da vida e da sobrevivência.”

“A literatura é o reino da ambiguidade. Não é algo assertivo. A resposta não costuma ser o território da arte. A literatura vai em busca de perguntas, através da complexidade das relações humanas. Se há uma verdade na literatura, é a verdade das relações humanas”, refletiu Milton Hatoum, a partir de uma pergunta da mediadora. “A vida é muito mais complexa que a literatura. Mas a gente não alcança a complexidade da vida.” O autor prosseguiu: “A literatura não tem essa pretensão de explicar — e nem deve ter. Ela tem que lidar com o inexplicável, aquilo que você não consegue explicar totalmente.”

Miriam falou sobre como o fazer jornalístico acompanha sua carreira de escritora. Comentou que ele está presente o tempo todo. A escritora deu exemplos de como esse olhar contribuiu com suas diversas publicações — de não ficção, romances e literatura infantil. “No fundo, no fundo, nós estamos querendo saber, de fato, o que aconteceu.”

Miriam celebrou o fato de Ana Maria Machado ter sido a Personalidade do Ano na última edição do Prêmio Jabuti. Na sequência, Geni perguntou a Ana sobre a publicação de sua obra em diferentes países. “Os livros nos mostram como somos parecidos e como somos diferentes. (…) A literatura faz pontes pela ambiguidade, retomando a fala de Milton. (…) A literatura tem a ver com o enigma. As grandes obras literárias são ambíguas. (…) Cada leitor, cada época, cada sociedade traz um sentido diferente.”

Milton Hatoum falou ainda sobre a Palestina: “Só quem desconhece a história da opressão que os palestinos vêm sofrendo há 80 anos não chama aquilo de genocídio — ou por desconhecimento, ou por má-fé.” Ele refletiu de maneira contundente: “O Estado de Israel foi construído sobre a expulsão de 700 mil palestinos e a destruição de aldeias palestinas. Sobre o genocídio, os maiores especialistas judeus em Holocausto no mundo dizem que não há como não considerar o que está acontecendo como genocídio.” O escritor prosseguiu: “Esse não é o momento da ambiguidade, nem do silêncio, nem do negacionismo.”

“É uma maldade, uma perversão inominável. O objetivo sempre foi o extermínio. A solução final é o que eles buscam. (…) Na nossa voz, de escritores e escritoras, que é uma voz muito modesta, a gente faz a nossa parte”, concluiu Hatoum. “Nós, povos indígenas, temos comentado que o povo palestino também é um povo originário, que tem seu território invadido”, refletiu Geni Núñez, em diálogo com Hatoum. “A gente não elabora o trauma se a gente não reconhece ele.”

Sobre o 5.º Flitabira

O 5.º Flitabira é patrocinado pela Vale, via Lei Rouanet do Ministério da Cultura, e tem apoio da Prefeitura de Itabira. Com uma programação extensa, para todos os públicos e idades, o 5.º Flitabira promove debates literários, lançamentos de livros, contação de histórias para crianças, prêmio de redação, apresentações musicais e teatrais e oficinas, tudo ao redor de uma imensa e linda livraria. Criou também o “Flitabira da Gente”, dedicado aos empreendedores locais.

Serviço

5.º Festival Literário Internacional de Itabira – Flitabira

De 29 de outubro a 2 de novembro, quarta-feira a domingo

Entrada gratuita

Local: Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade e avenida lateral.

Toda a programação é transmitida online pelo Youtube @flitabira

Informações para a imprensa

imprensa@flitabira.com.br

Jozane Faleiro – 31 99204-6367

Laura Rossetti – 31 99277-3238

Letícia Finamore – 31 98252-2002