A última mesa desta sexta-feira de Festival Literário Internacional de Itabira – Flitabira reservou um encontro muito aguardado pelo público. Um auditório lotado recebeu as escritoras Conceição Evaristo, Eliana Alves Cruz e Maria Ribeiro, com mediação do escritor Jeferson Tenório. Repleto de falas contundentes e momentos emocionantes, o bate-papo arrancou aplausos e reações intensas do público presente.
Jeferson Tenório abriu a conversa com a seguinte pergunta para as três escritoras convidadas: “Qual trabalho vocês fizeram onde entraram de um jeito e saíram de outro? Que marcaram e transformaram a vida de vocês..”. Eliana Alves Cruz citou o romance “Água de barrela”: “Nele, eu fiz uma viagem de volta à minha ancestralidade na África. Esse livro foi uma espécie de iniciação, uma espécie de renascimento”. Para Conceição Evaristo foi o livro “Insubmissas lágrimas de mulheres”. Para a escritora mineira, “esse foi o livro que me modificou, que fez com que eu tivesse um projeto de escrita consistente”. Conceição revelou ao público que pretende fazer uma trilogia a partir do livro, onde os próximos volumes seriam focados, respectivamente, nos homens e nas crianças.
Maria Ribeiro, que também é atriz, citou o filme “Como nossos pais”: “Foi ali que me entendi como feminista. Isso foi um caminho sem volta. Como se fosse um óculos que nunca mais tirei”. Na conclusão, Ribeiro retornou a mesma pergunta para o mediador. Jeferson, então, citou seu primeiro livro, “O beijo na parede”: “Foi um livro que escrevi em seis anos. Eu não sabia muito bem o que estava fazendo e não sabia como fazer isso. Ao terminar o desafio da escrita do meu livro de estreia, eu percebi que poderia fazer outros”.
O público se emocionou com a declaração de Conceição Evaristo para Eliana e Jeferson: “Estar com vocês é sempre uma celebração da vida”. Para Eliana ela também complementou: “Vê-la ao meu lado significa que nossa briga pela autoria negra deu certo, está dando certo”. Evaristo ainda arrematou sua fala com uma declaração pungente e muito aplaudida: “Para aqueles povos que foram silenciados, a literatura é um lugar onde a gente vinga”.
Maria Ribeiro também falou sobre a ausência de figuras femininas na sua formação na infância e o quanto busca modificar essa experiência na criação dos filhos. Na sequência, Eliana Alves Cruz falou sobre o seu processo de escrita: “Personagens são pessoas. Então eu olho pro lado. Fico tentando perceber qual a conexão daquele personagem que estou escrevendo com quem está do meu lado”.
Conceição Evaristo ainda debateu um tema caro ao seu projeto literário, a escrevivência, negando a ideia de que esta seja uma escrita narcísica: “No espelho de Narciso não cabe o nosso rosto. A valorização da beleza negra é algo muito recente. Se esse corpo negro nunca foi considerado um corpo belo, não há como pensar que o espelho de Narciso acolha a nossa face”. Em seguida, ela se baseou em outros mitos para criar novas metáforas: “Por isso, nós, pessoas negras, temos outros espelhos para olhar. O primeiro é o espelho de Oxum – seu espelho é uma arma de guerra pois, nele, Oxum se contempla e também vê o inimigo atrás. O outro espelho é o de Iemanjá, que é aquela que acolhe, aquela que cria”.
A escritora mineira ainda complementou: “A escrevivência quer sedimentar um processo criativo a partir de nossa condição histórica e de uma história ancestral. A escrevivência liberta aquela fala, aquela ficção que era obrigada a cumprir os mandos da casa grande”.
Casa Escrevivência é o nome do espaço recém inaugurado por Conceição no Rio de Janeiro. Lá está sendo instalado o seu acervo: “Me incomodava ver os livros paradinhos, eles foram feitos para circular”. A escritora destacou que o pilar da casa é uma biblioteca comunitária, mas também será um espaço de criação, para acolher escritores e pesquisadores. “É o que eu quero deixar como legado. Ela tem uma função pro futuro”.
Ao final da conversa, Jeferson Tenório fez uma interessante provocação. Evocando o personagem Bartleby – do livro “Bartleby, o escrivão”, de Herman Melville – e sua clássica sentença “Preferiria não”, Tenório perguntou: “O que vocês prefeririam não fazer a respeito de suas lutas diárias?”. Entre respostas marcantes e urgentes, o público se emocionou com Conceição Evaristo: “Eu preferiria não ter de ter cuidado para falar sobre o racismo, pois o racismo não tem cuidado com a gente. Essa luta é muito desgastante.”
SOBRE O FLITABIRA
Criado pelo jornalista Afonso Borges – que é também o idealizador do Festival Literário de Araxá (Fliaraxá) e do Sempre um Papo –, o Flitabira realizará sua terceira edição entre os dias 31 outubro e 5 de novembro de 2023, celebrando 121 anos de nascimento do poeta Carlos Drummond de Andrade. As atividades acontecem tanto de forma presencial, na Praça do Centenário, quanto on-line, pelo canal no YouTube do Festival.
O Flitabira tem patrocínio do Instituto Cultural Vale, via Lei de Incentivo à Cultura, a Lei Rouanet, do Ministério da Cultura, com o apoio da Prefeitura de Itabira e União Brasileira de Escritores – UBE.
INSTITUTO CULTURAL VALE
O Instituto Cultural Vale parte do princípio de que viver a cultura possibilita às pessoas ampliarem sua visão de mundo e criarem novas perspectivas de futuro. Tem um importante papel na transformação social e busca democratizar o acesso, fomentar a arte, a cultura, o conhecimento e a difusão de diversas expressões artísticas do nosso país, ao mesmo tempo em que contribui para o fortalecimento da economia criativa. Nos anos 2020-2022, o Instituto Cultural Vale patrocinou mais de 600 projetos em mais de 24 estados e no Distrito Federal. Dentre eles, uma rede de espaços culturais próprios, patrocinados via Lei Federal de Incentivo à Cultura, com visitação gratuita, identidade e vocação únicas: Memorial Minas Gerais Vale (MG), Museu Vale (ES), Centro Cultural Vale Maranhão (MA) e Casa da Cultura de Canaã dos Carajás (PA). Onde tem Cultura, a Vale está. Visite o site do Instituto Cultural Vale: institutoculturalvale.org
SERVIÇO:
III Flitabira – Festival Literário Internacional de Itabira
De 31 de outubro a 5 de novembro
Local: Praça do Centenário (Rua Maj. Lage, 121 – Centro Histórico)
Informações: www.flitabira.com.br
Informações para a imprensa: info@flitabira.com.br
Texto por Gabriel Pinheiro.