Entre o trabalho ensaístico e a ficção, o escritor Sérgio Abranches construiu uma longa carreira interessada em um olhar para as questões que iluminam e que assombram os nossos tempos. Sérgio é autor de, entre outras obras, os importantes “Presidencialismo de coalizão” e “O intérprete de borboletas”. O escritor e curador do Festival Literário Internacional de Itabira – Flitabira, que prepara o lançamento de seu novo romance, conversou sobre o trabalho, seu processo de escrita e os pontos em que sua faceta de sociólogo encontra o seu olhar de romancista.

 

O que você pode nos dizer sobre o seu novo romance?

Eu estou escrevendo esse romance há seis anos. Mas quando eu estava empenhado nele, eu comecei a escrever um ensaio também, resultado de um convite para escrever um artigo sobre o Centenário da Independência. Na escrita deste ensaio, eu descobri coisas que fizeram com que ele ficasse maior. Mas, no final da pandemia, a história do meu último romance publicado, “O intérprete de borboletas”, atravessou todos esses projetos. Eu tive que escrever “O intérprete de borboletas”, como uma necessidade, eu precisava contar uma história sobre esse tempo de sombra e de ódio. Sobre como isso dividiu famílias, levou muitas pessoas a morrer. Depois que a gente publica o livro, a gente começa a ter um afastamento dele. Então, hoje, “O intérprete de borboletas” já não é mais meu, é dos leitores.

Assim, o meu novo romance – que já estava nesse processo de escrita – me chamou: ‘Certo, agora vem me terminar’. E essa é uma história completamente diferente de todas que eu já escrevi. Um romance passado em dois tempos: o atual e o período do imediato pós-guerra, entre 1946 e 1953. O que conecta esses dois tempos é a descoberta, pela protagonista, de uma biblioteca herdada. Nela, estão os diários de uma jovem, escritos naquele período do passado. A partir daí a história se desenrola com alguns volteios bem interessantes, muito ficcionais. Eu já vou começar a me ‘desfazer’ do romance para entregá-lo à editora.

Sérgio Abranches na cerimônia de abertura do III Flitabira (Foto: Kevem Willian)

Quais as diferenças e as aproximações entre a escrita de ficção e aquela não-ficcional?

Para mim, o desafio é tirar o ranço acadêmico, essa linguagem acadêmica, do artigo, do ensaio, para poder escrever para todo mundo. Tento fazer com que o texto seja mais fluido na escrita da não-ficção. Acho que a leitura da ficção e depois a escrita ficcional me ajudaram muito a apurar o estilo ensaístico.

A não-ficção e a ficção ficam em contato, presentes uma na outra. Pois em ambas escrevo também sobre aquilo o que me aflige. Mas, enquanto no ensaio eu busco análises mais objetivas, a ficção me permite lidar com aquelas questões que não consigo lidar como analista, sabe? Aquelas que têm uma carga emocional muito forte.

E o seu processo de escrita?

No meu trabalho com os romances, eu tenho uma forma que é bem parecida com o antigo formato de fazer filme. Quando o filme era em película, a gente fazia um copião, ou seja, você gravava todas as cenas que se passavam naquele local, independentemente do momento em que aquela cena vai aparecer no filme. Você fazia isso para facilitar a logística. Depois você ia para a moviola – o que hoje se faz no computador – e montava o filme, fazendo a distribuição das cenas. Eu faço muito isso. Um copião. Escrevo uma avalanche, direto. Depois eu começo a cortar, a rearrumar o texto. Nesse trabalho, o mais importante é retirar o sociólogo da ficção. Limpar a ficção da análise objetiva do analista, onde sempre queremos explicar alguma coisa. Então, é um trabalho bastante penoso. Dá muito trabalho fazer essa separação entre o ficcionista e o ensaísta.

Mas o que resiste do Sérgio sociólogo no Sérgio romancista?

Eu acho que o que resiste são as inquietações. Aquilo que me move, o que acontece na sociedade que me deixa indignado ou apaixonado. São aquelas coisas que eu posso explicar e aquelas que eu acho que posso contribuir para a explicação. Para aquelas que eu acho que posso contribuir, eu escrevo um ensaio. Se eu não posso, eu vou pra ficção, mas com as inquietações do sociólogo. Da mesma forma que eu levo para o ensaio o apuro do estilo do ficcionista.

Entrevista por Gabriel Pinheiro