Antes de apresentar os participantes da mesa “E agora, José?” na tarde deste sábado (4/11) de Festival Literário Internacional de Itabira – Flitabira, a mediadora Maria Ribeiro refletiu sobre as redes sociais na contemporaneidade. Segundo a escritora, as redes podem ser lugares muito bonitos de partilha, mas frequentemente são espaços muito difíceis. “Nesta mesa estamos diante de três pessoas ameaçadas”. Os convidados da mesa foram a escritora e filósofa Marcia Tiburi, a escritora e jornalista Cristina Fibe e o escritor e coreógrafo Wagner Schwartz.

Marcia Tiburi, que lança o novo romance “Com os sapatos aniquilados, Helena avança na neve”, declarou estar muito emocionada por estar no Flitabira, na terra de Carlos Drummond de Andrade. “Essa é a luta pelo livro, afinal, ler livros nos transforma. Se estamos aqui hoje é porque lemos muito. Nós escritores passamos a escrever também por isso: por lermos muito. Estar na terra de Drummond é estar nesse chão possível, um chão onde a gente pode pisar”.

A declaração de Tiburi sobre esse “chão onde a gente pode pisar” ganha contornos mais sensíveis quando a autora fala sobre seu exílio na França nos últimos anos, acontecimento causado, em grande parte, por uma campanha de difamação – o tão conhecido ‘cancelamento’ – nas redes sociais. “Mas estou no meu processo de voltar [ao Brasil]… estou voltando, estou chegando”. Sobre o trabalho literário, a escritora fez uma reflexão interessante: “O inconsciente tem uma estrutura de ficção. Nós, escritores, estamos escrevendo coisas que acabam acontecendo, que se realizam e a gente não faz ideia”.

Foto: Kevem Willian

O escritor Wagner Schwartz também deixou o Brasil após uma violenta série de ataques, sobretudo nas redes sociais, por conta de uma performance artística, em 2017. Autor da performance “La Bête” – inspirada na obra de Lygia Clark – ele foi vítima de ataques à sua reputação e ameaçado de morte após uma apresentação em setembro de 2017. “Me mataram duas vezes na internet. Então, vocês estão diante de um morto. Foi um homem morto que escreveu esse livro”. Nesse ponto, o artista revelou um diálogo entre o seu livro, “A nudez da cópia imperfeita”, e a obra “Memórias póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis, narrada por um morto.  Wagner revelou ter se tornado escritor por uma necessidade, saudando a presença de sua editora, também convidada do Flitabira, Simone Paulino. “No momento em que fui cancelado, ela me pegou e falou ‘Eu quero você pra mim’. Simone lê os meus livros, publica os meus livros pela Editora Nós”.

A jornalista Cristina Fibe, autora de “João de Deus: O abuso da fé”, realizou um importante e revelador trabalho investigativo a respeito de João de Deus e a sua Casa Dom Inácio de Loyola em Abadiânia, em Goiás. Nesse ponto, Fibe destacou a seletividade de setores da sociedade a respeito de quais causas defender e de quais pessoas ‘cancelar’. “São mais do que campanhas de ódio e de difamação, é uma verdadeira orquestração. Há uma indignação seletiva. São muitas as situações de violência e abuso que não ganham repercussão na opinião pública”.

Nesse ponto, ela lamentou a dificuldade ao encontrar muitas resistências para expor os mecanismos de violência contra a mulher na imprensa. Wagner Schwartz complementou: “Quem está sendo cancelado muitas vezes não são os criminosos. Mas os artistas e aquelas pessoas que os denunciam”. No que Marcia Tiburi concluiu: “Este lugar tenebroso chamado ‘sistema patriarcal’”.

Foto: Kevem Willian

Nesta mesa que debateu o poder combativo da arte e da literatura, permitindo aos presentes entender um pouco mais dos desafios do trabalho da arte, da literatura e do pensamento no contexto brasileiro, Marcia Tiburi entregou uma fala de tocante sensibilidade. A filósofa falou sobre a importância do ‘eu interior’ para seguir em frente naquilo que a motiva, para seguir fazendo arte, fazendo literatura e defendendo coisas que deveriam ser básicas como os valores democráticos.

Outro momento de emoção ficou reservado para o final, nas palavras de Wagner Schwartz, que refletiu sobre o nome da mesa, “E agora, José?”, inspirado no poema de Drummond: “Quando cheguei aqui hoje de manhã, fui arrebatado. Eu comecei a chorar e não parei. Só de falar disso, começou a chorar de novo. Ver essas crianças aqui hoje recebendo um prêmio de redação. (…) A resposta está com as crianças. ‘E agora, José?’ Pergunta para elas. A gente já não sabe de mais nada”.

SOBRE O FLITABIRA

Criado pelo jornalista Afonso Borges – que é também o idealizador do Festival Literário de Araxá (Fliaraxá) e do Sempre um Papo –, o Flitabira realizará sua terceira edição entre os dias 31 outubro e 5 de novembro de 2023, celebrando 121 anos de nascimento do poeta Carlos Drummond de Andrade. As atividades acontecem tanto de forma presencial, na Praça do Centenário, quanto on-line, pelo canal no YouTube do Festival.

O Flitabira tem patrocínio do Instituto Cultural Vale, via Lei de Incentivo à Cultura, a Lei Rouanet, do Ministério da Cultura, com o apoio da Prefeitura de Itabira e União Brasileira de Escritores – UBE.

INSTITUTO CULTURAL VALE

O Instituto Cultural Vale parte do princípio de que viver a cultura possibilita às pessoas ampliarem sua visão de mundo e criarem novas perspectivas de futuro. Tem um importante papel na transformação social e busca democratizar o acesso, fomentar a arte, a cultura, o conhecimento e a difusão de diversas expressões artísticas do nosso país, ao mesmo tempo em que contribui para o fortalecimento da economia criativa. Nos anos 2020-2022, o Instituto Cultural Vale patrocinou mais de 600 projetos em mais de 24 estados e no Distrito Federal. Dentre eles, uma rede de espaços culturais próprios, patrocinados via Lei Federal de Incentivo à Cultura, com visitação gratuita, identidade e vocação únicas: Memorial Minas Gerais Vale (MG), Museu Vale (ES), Centro Cultural Vale Maranhão (MA) e Casa da Cultura de Canaã dos Carajás (PA). Onde tem Cultura, a Vale está. Visite o site do Instituto Cultural Vale: institutoculturalvale.org

SERVIÇO:

III Flitabira – Festival Literário Internacional de Itabira
De 31 de outubro a 5 de novembro
Local: Praça do Centenário (Rua Maj. Lage, 121 – Centro Histórico)
Informações: www.flitabira.com.br
Informações para a imprensa: info@flitabira.com.br